Direito à negociação coletiva dos Servidores Públicos
Olá! Nesse post eu gostaria de te contar um pouco sobre os direitos de negociação coletivos. Mas antes de tudo, você sabe o que significa negociação coletiva?
Podemos dizer que negociação coletiva é uma forma de concordância de interesses entre as pessoas (partes), que buscam por meio de diferentes entendimentos encontrar uma solução, conciliando interesses para resolver alguma questão.
Existem muitas teorias sobre a negociação coletiva, mas hoje a que é mais aceita é a ‘’teoria mista’’ pois ela tem características contratuais e normativas.
Sabia que as negociações coletivas podem ser de quatro tipos? Pois é, vou te contar quais são:
A produção normativa coletiva de trabalho que vem das convenções coletivas de trabalho e de acordos coletivos de trabalho, reforçam o particularismo e a autonomia desse direito diante de outros ramos de direito.
Sabe porque? Porque a negociação coletiva passará a regular as relações, com característica de generalidade, abstração e impessoalidade.
Por isso, dá para perceber como a negociação coletiva é importante. Ela vai além do direito do trabalho, contribuindo até mesmo para a democracia.
Além disso, por ser coletiva, tem impactos diretos na sociedade e ganha reconhecimento na Constituição Federal de 1988. (Olha ela aqui de novo, rs)
Isso pois atribui prerrogativas aos sindicatos e possibilidade de sua atuação na esfera administrativa e judicial, com foco nas negociações coletivas, conforme artigos 7° e 8°.
Você precisa saber que a negociação coletiva possui funções específicas como instrumento pacífico de conflito ligado ao Estado Democrático de Direito.
E também, que a elaboração de normas que possibilitam a relação contratual, têm que ser efetivamente democráticas e priorizar a regulação dos direitos coletivos, trazendo obrigação entre as partes para que o conflito seja resolvido.
É importante que você saiba que existe a característica de que as partes assumem obrigações de resolver o conflito, pois é exatamente este ponto que permite que a negociação seja um instrumento efetivo.
Já ouviu falar em Florivaldo Dutra de Araújo? Ele é mestre e doutor em direito, e acho interessante te contar quais ele considera como princípios da negociação coletiva:
inafastabilidade da negociação; boa fé; acesso à informação; razoabilidade; contraditório; representação; informalismo; dever de influência e responsabilidade.
Como você sabe eu amo frisar nesses posts a importância da Constituição Federal de 1988. Mais uma vez, foi por meio dela que direitos foram conquistados.
Dessa vez, a negociação coletiva, garantida aos servidores públicos em uma forma explícita a partir da junção dos artigos 39, § 3° e 7°, inciso XIII.
Até mesmo a Lei n° 8.112/1990 previa este direito social coletivo aos servidores públicos federais em seu artigo 240 e a possibilidade de ajuizamento de demandas na Justiça do Trabalho por parte dos servidores.
Depois disso, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI n° 492/DF, relator o Ministro Carlos Velloso, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 12 de novembro de 1992, com decisão publicada no Diário de Justiça de 12 de março de 1993.
Nesse processo, os dispositivos “d” e “e” foram considerados inconstitucionais.
Aqui vou te mostrar um pequeno resumo dos argumentos lançados na análise do STF:
Ou seja, o que isso quer dizer é que a Suprema Corte entendeu, pela inconstitucionalidade das alíneas do art. 240 da Lei n° 8.112/90 com base no argumento de que a relação entre servidores públicos e Administração é unilateral.
Além disso, a Administração pode modificar as condições de trabalho sem ‘’autorização’’ dos trabalhadores.
É importante que você saiba que a decisão da ADI n° 492-1 não observou o controle de convencionalidade, porque o Brasil já era signatário da Convenção n° 151.
O voto do Ministro Marco Aurélio foi diferente dos demais, entendendo pela contradição da ação, pela constitucionalidade do dispositivo.
Segundo ele, não é aceitável que se defenda uma supremacia absoluta da Administração Pública, porque o regime jurídico único é dos servidores e não dos funcionários públicos.
Já um argumento lançado pelo Ministro Carlos Mário Velloso é de que, como a função principal da negociação coletiva é tratar de remuneração, não haveria possibilidade de ser aplicada aos trabalhadores do setor público, pois seus salários são estabelecidos por lei.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro tem o mesmo posicionamento. Ela diz que o sindicato “poderá, quando muito, atuar como pressão sobre o Poder Público, mas não poderá levar os servidores às negociações coletivas, com ou sem participação dos sindicatos, com o fito de obter remuneração”.
Marco Aurélio ainda diz que a negociação coletiva é direito inerente ao direito de sindicalização e de greve. Então é constitucional.
Você já está um pouco cansado de ler sobre leis, ministros e afins, né? Mas eu gosto e acho importante te deixar a par de tudo. Então aguenta aí, que faltam poucos parágrafos 🙂
Um tempo depois de tudo que já te contei acima, mais precisamente em 2006, essa discussão voltou a ser feita pelo STF em sede de ADI n° 559/MT, tendo como relator o ministro Eros Grau.
Ele julgou no sentido de que o direito à realização de acordos coletivos era reservado aos trabalhadores do setor privado.
Então, é claro que a interpretação do STF excluiu os servidores públicos de um direito fundamental.
Mas é pior do que isso, os seus sindicatos passaram a atuar exclusivamente como forma de pressão para a alteração da legislação. Dá para acreditar?
Sendo dessa maneira, os trabalhadores estavam sem um instrumento tão relevante para a democracia e verdadeiro pacificador de conflitos, que era o direito a acordos coletivos. Bem ruim, né?
Geraldo Luis Spano Guimarães defende a possibilidade de negociação coletiva para os servidores públicos, mas relacionado à remuneração entende não ser possível a aplicação de negociação, por conta do princípio da legalidade remuneratória.
O meu objetivo também com esse post é te mostrar que esse posicionamento é equivocado, pois viola a Constituição, assim como viola os tratados internacionais, em especial as Convenções de n° 151 e 154, ambas da OIT.(Já falei sobre isso em outro texto, lembra?)
Hoje não é possibilitado aos servidores públicos o livre exercício desse direito coletivo, nem existe por parte do Estado esforços a este respeito.
O que acontece no momento são negociações informais sem efetiva participação dos trabalhadores, como numa configuração autoritária, cabendo aos sindicatos do servidores apenas atividades ligadas à greve.
Segundo Cármen Lúcia Antunes Rocha, o não reconhecimento desse direito é o reflexo da análise de aplicação do direito dos servidores da mesma forma que o dos trabalhadores privados.
Mas, a gente percebe que a aplicação da negociação coletiva para os servidores terá que agir de acordo com as peculiaridades e com os limites constitucionais específicos.
Também acho importante te dizer que mesmo tendo grande resistência da jurisprudência e doutrina, e até mesmo proibição legal quanto à negociação coletiva, no mundo dos fatos existem notícias de negociações entre grevistas e o Poder Público.
Ricardo Carvalho Vargas acredita que as primeiras negociações entre servidores e a Administração Pública aconteceram em São Paulo na gestão da Prefeita Luiza Erundina.
Já mais recentemente, o STJ diz que a negociação coletiva e o cumprimento, ou não, de acordos coletivos entre servidores e a Administração Pública são parâmetros de necessária consideração para a avaliação da greve.
Em julgamento de Agravo Regimental (Petição n° 7.883/DF), o STJ julgou pela ilegalidade da greve, pois teria ocorrido em vigência da implementação do acordo.
Outro exemplo também julgado pelo STJ, foi do Mandado de Segurança n° 15.339/DF em que o tribunal declarou a ilegalidade da greve.
Para isso, alegou não constar nos autos, comprovação de negociação realizada entre as partes e que teria sido rompida pela Administração Pública.
Esses casos comprovam que embora a legislação e parte da doutrina entendam pela impossibilidade de negociação coletiva entre os servidores públicos e Administração Pública, elas têm acontecido, ainda que sem a tutela normativa merecida.
É claro que a negociação coletiva tem como uma de suas funções principais o impedimento de greve.
E se nós considerarmos isso algo otimista, é um avanço que o judiciário reconheça a necessidade de negociação entre Estado e servidores.
Mas é beem errado exigir isso para não declaração de greve abusiva, pois a negociação coletiva não é reconhecida para os servidores públicos.
Como geralmente acontece e nós sabemos, o trabalhador sempre perde, pois não tem seu direito fundamental à negociação coletiva reconhecido.
E, além disso, quando tenta usufruir de outro direito coletivo, que já é enormemente afetado pelo não reconhecimento do primeiro, não consegue por um argumento totalmente frágil.
Não sei se você sabe, mas a negociação coletiva é a essência do direito de participação que é objeto de proteção da sindicalização e da greve.
Então, consequentemente, sem o reconhecimento da negociação coletiva, as atividades dos sindicatos se resumem apenas a “ações de confronto” sem nenhuma efetividade, o que implica sentimento contrário ao que se pretende com o Estado de Direito.
O direito à negociação coletiva é internacionalmente reconhecido e é objeto de Convenções da OIT.
Inclusive a Convenção n° 98, que trata sobre esse assunto, foi ratificada pelo Brasil e complementa a de n° 87, que não foi ratificada aqui e fala sobre os princípios deste mecanismo coletivo.
E também recomenda que todos os Estados adotem medidas de promoção desta forma de resolução de conflitos.
Em 1978, na 64ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, a OIT adotou mais uma convenção: a de no 151, que trata especificamente da negociação coletiva dos servidores públicos e adentrou no plano internacional no ano de 1981.
A Convenção n° 151 e a Recomendação n° 159 da OIT foram assinadas por diversos países, entre eles o Brasil.
Vou citar a primeira aqui para você:
Então, a Convenção determina que os países signatários criem medidas de fomento da negociação coletiva dos trabalhadores públicos.
Mas, o Poder Executivo manifestou-se em relação a sua ratificação apenas em 2008, relatando sua importância para a garantia de direitos dos servidores públicos.
E só foi determinado no ordenamento doméstico no dia 08.04.2010, por meio do Decreto Legislativo n° 206, e ainda tiveram duas ressalvas:
A Recomendação n° 159 da OIT foi adotada nos mesmos termos, e estabelece a necessidade de regulamentação infraconstitucional quanto à negociação coletiva e os órgãos públicos, para adotar proposições com referência à liberdade sindical e a procedimentos para determinar as condições de trabalho no serviço público.
A Convenção n° 154 foi assinada pelo Brasil em 1981 e ratificada em 1992, e prevê o avanço da negociação coletiva por ser um instrumento de resolução de conflitos.
Olha só, estamos terminando ‘’já’’. Ufaa…
Para finalizar, te conto que o Brasil ainda adotou a Convenção n° 163, que prevê fortemente o desenvolvimento da negociação coletiva, inclusive pelos empregados públicos.
O não reconhecimento da negociação coletiva para os servidores públicos é inadmissível, pois é fundamentado nas relações entre servidor público e Administração.
E também porque a negociação coletiva é um direito social coletivo garantido pela Constituição Federal de 1988 e por Convenção Internacional ratificada pelo Brasil.
