Tratados internacionais e o direito dos servidores públicos.
Lembra que eu te mostrei no post anterior alguns direitos dos servidores públicos? Agora vou seguir nessa linha falando sobre os tratados internacionais de direitos humanos.
Como nós já vimos, a constituição de 1988 foi fundamental em vários aspectos, principalmente no que se refere a ampliação de direitos dos servidores públicos.
Porém, a Constituição de 88 teve grande importância no direito internacional, pois tratou do princípio da prevalência dos direitos humanos, como princípio fundamental a reger o Estado nas relações internacionais.
Isso quer dizer que ela trouxe pela primeira vez uma boa estrutura para orientar o Estado nas relações internacionais. Posso citar aqui o artigo 4º da constituição, nele você pode ver que os direitos humanos prevalecem:
Nas constituições anteriores era mais visível o direito interno, mas quando o Estado assumiu que os direitos humanos deveriam prevalecer, esse predominância do direito interno deixou ser absoluta e se tornou limitada.
Outro artigo muito importante que você precisa conhecer, é o artigo 5º, §§ 2º e 3º. Ele permitiu que os direitos constitucionais fundamentais fossem ampliados por meio da inclusão de tratados internacionais:
Eu não posso deixar de mencionar Flávia Piovesan – professora doutora e advogada. Segundo ela, os tratados internacionais, enquanto acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes, constituem hoje a principal fonte de obrigação de Direito Internacional.
Você sabia que os direitos humanos possuem três pilares éticos? Sendo eles:
Esses pilares se relacionam de uma forma em que a justiça social está amparada na noção de prevalência da dignidade humana, que deve ser o referencial norteador do Estado Democrático de Direito.
Quando esses pilares foram traçados, foi possível perceber um reflexo no ordenamento interno brasileiro. Mas para que os direitos humanos tenham validade no ordenamento interno, é preciso que o tratado seja incorporado.
Preciso te contar que, embora exista uma certa dificuldade em aliar teoria com jurisprudência, existem 4 correntes que defendem uma forma de incorporação e hierarquia dos tratados de direitos humanos:
Eu defendi em minha dissertação ainda defendo a teoria do bloco de constitucionalidade. Ela foi inspirada pelo conceito de ‘’bloco de legalidade’’ e muito utilizada em diversos países, principalmente da América Latina.
Lugares em que a noção de constituições com cláusulas abertas foi bastante aceita, visando à abertura do ordenamento interno para a incorporação do ordenamento internacional.
Sabia que o Brasil também aderiu ao bloco de constitucionalidade? Sim! (e vou ter que citar outro professor aqui, para que você fique melhor informado.)
Segundo Valério de Oliveira Mazzuoli, os direitos estabelecidos em tratados internacionais de direitos humanos devem ser incorporados ao ordenamento interno, havendo assim o alargamento do bloco constitucional, com base em três fontes:
Um outro ponto importante relacionado aos tratados internacionais, é que o Supremo Tribunal Federal entende que os tratados que não versam sobre direitos humanos possuem hierarquia de lei federal e podem ser revogados no caso de lei posterior.
Mas isso, segundo a professora Flávia Piovesan, conforme já mencionei, violaria gravemente os princípios internacionais da boa fé e da pacta sunt servanda, este é muito utilizado no direito civil, e vou te explicar com uma frase que certamente você já ouviu falar “ o combinado não sai caro”, combinou tá combinado.
Além disso, ela afirma que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados antes da EC nº 45/2004, são materialmente constitucionais.
Ela também frisa que os tratados de direitos humanos ratificados antes ou depois de 2004, possuem aplicabilidade imediata, justamente por se tratarem de direitos e garantias fundamentais.
Essa afirmação é beeem importante, pois a partir da ratificação dos tratados surge a obrigação do estado e também o direito subjetivo dos indivíduos, independente da regulamentação legislativa no direito interno.
Mas, a aplicabilidade imediata, não significa dizer que o direito fundamental não precisa de regulamentação no Brasil, e sim, que gera a obrigação do Estado, como também, direito subjetivo.
E também, a característica de aplicabilidade imediata disposta no artigo diz que em caso de omissão do Estado, mais especificamente do Poder Legislativo, poderá o Judiciário determinar como será viabilizado o exercício do direito fundamental, se provocado.
Agora vou falar um pouco sobre os tratados de direitos humanos e o reconhecimento da hierarquia constitucional.
Para ele, existem três possibilidades:
Neste caso, importante mencionar que a postura tomada pelo Brasil não é a mais adequada e demonstra-se como uma conduta atrasada.
Uma tendência do Direito Internacional foi a aproximação dos direitos dos servidores públicos com os trabalhadores celetistas, principalmente relacionada aos direitos sociais coletivos.
Sabe por que? Porque a internacionalização dos direitos humanos só nasceu no segundo pós-guerra, com a finalidade de mecanismo de combate a governos totalitários.
Além disso, o primeiro documento que expressou o sentimento de internacionalização dos direitos foi a Declaração Internacional dos Direitos Humanos.
Mas, ela só se tornou obrigatória e vinculativa em 1966, depois de um processo iniciado em 1949.
Nesse processo foram acrescentados dois tratados internacionais ao documento – o Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais – dando origem à Carta Internacional de Direitos Humanos.
Esse documento é importante pois origina o sistema global de proteção de direitos humanos, que foi fortalecido trazendo a proteção dos indivíduos, suas liberdades e direitos fundamentais.
E, só é possível ampliar direitos e não reduzi-los, sempre com base no que foi estabelecido nos tratados internacionais.
A Declaração Universal define os direitos humanos como universais e indivisíveis. Desta forma, a declaração é fruto do conjunto de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.
Então, a violação de um direito individual, por exemplo, implica em violação a todos os direitos que devem ser resguardados a qualquer pessoa.
Já no que se refere ao direito dos trabalhadores, a Organização Internacional de Direitos Humanos (OIT) é extremamente relevante.
Ela foi criada em 1919, com o objetivo de cessar a Primeira Guerra Mundial e, com o nascimento da ONU em 1945, tornou-se a primeira agência especializada, tendo o Brasil como membro participativo desde sua origem.
Sabia que a OIT é composta por representantes de governos e de organizações de empregadores e de trabalhadores? E tinha como finalidade a formulação e aplicação de normas internacionais do trabalho?
Sim! Além disso, após ratificação pelos países membros, incluíram-se no ordenamento doméstico.
Dentre as propostas realizadas pela OIT estão: à limitação de jornada de trabalho; à proteção à maternidade; à luta contra o desemprego; à definição da idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria e à proibição do trabalho noturno de mulheres e menores de 18 anos.
Outra grande conquista foi a ratificação da Declaração Sociolaboral em 1998, que tem como objetivo expressar o compromisso dos Estados Partes com os direitos humanos e Convenções da OIT.
Hoje é chamada de ‘’Subgrupo nº 10 das Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social”.
Agora vou te mostrar quais convenções foram recomendadas a ratificação:
Sabia que, infelizmente, o Brasil é o único que não ratificou todas as Convenções, e apresenta justificativa com base no princípio da unicidade sindical e da cobrança obrigatória de contribuição sindical? Uma pena.
Mas como a Declaração Sociolaboral não possui força cogente e eficácia jurídica, sendo apenas uma recomendação, encontra imensas dificuldades para sua aplicação e cumprimento.
(Vale lembrar que essa declaração foi feita nos países que compõem o MERCOSUL, sendo o Brasil o país a não ratificar todas as convenções.)
A violação aos direitos dos trabalhadores estabelecidos em tratados internacionais não é isolada à liberdade sindical. Um exemplo seria a violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa em caso de processos administrativos disciplinares contra servidores públicos no Brasil.
Ainda posso mencionar para você outra situação relacionada aos servidores públicos extremamente peculiar: o direito social coletivo à negociação coletiva.
Isso porque, o Brasil ratificou a Convenção nº 151 da OIT em 2010, e foi regulamentado pelo ordenamento interno e por meio de instrumento de controle de constitucionalidade foi declarado inconstitucional.
Você já ouviu falar de controle de constitucionalidade? Ele é insuficiente, pois é necessária uma discussão em que o Judiciário deverá avaliar não só a compatibilidade com a Constituição Federal, mas também com tratados internacionais.
Por isso, temos também o controle de convencionalidade que obriga não apenas a obediência à constituição, mas também a obrigação de respeitar e promover os dispositivos internacionais.
Primeiro, o controle de convencionalidade acontecia somente pelo Poder Legislativo e Executivo, mas isso avançou e agora também acontece pelo magistrado, o que formou o bloco de convencionalidade.
Você deve estar um pouco cansado de ler tantas informações, hehe. Mas o que eu preciso que entenda é que não basta que a legislação interna esteja em consonância com a Constituição.
É preciso que ela esteja em conformidade com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado.
Calma aí que eu já estou terminando esse assunto 🙂
Quanto aos tratados comuns, haveria controle de supralegalidade, enquanto para os tratados de direitos humanos, de convencionalidade e ambos devem ser exercidos, pelos órgãos jurisdicionais internos.
Você conhece o Sistema Interamericano de Direitos Humanos?
É o sistema regional em que pertence o Brasil e realizou diversas vezes o controle de convencionalidade exatamente por omissão dos Estados.
Agora preste muita atenção, pois para finalizar e para que você entenda melhor, citarei aqui alguns casos em que os direitos violados eram direitos sociais dos trabalhadores e foi aplicado o controle de convencionalidade:
Exemplo 1:
O primeiro litígio em que a Corte Interamericana classificou como caso que versava sobre violação a direitos sociais, econômicos e culturais, foi justamente sobre o direito de manifestação dos servidores públicos, conhecido como caso Baena Ricardo e outros x Panamá.
Que bom, né?!
Exemplo 2:
Gostaria de te mostrar só mais um exemplo, para ficar bem fixado em sua memória, rs.
Exemplo 3:
Os fatos referem-se ao acordo coletivo celebrado em 2008 pelo sindicato e o governo, que posteriormente veio a ser anulado, com fundamento na impossibilidade de acordo coletivo realizado por sindicato de servidores públicos.
O julgamento foi um rompimento ao posicionamento ligado aos direitos do sistema regional. Isso porque, a Corte Europeia entendeu que mesmo que a Convenção Europeia não trate do direito de greve para servidores públicos, os tratados e convenções do sistema global atribuem este direito.
Então, deveria ser estendido aos servidores públicos da Turquia.
Você percebe que estes 3 exemplos o direito dos servidores públicos só foi resguardado, pois foram aplicadas normas internacionais né?!
Por isso é muito importante que você e profissional que você contrate para lutar pelos seus direitos, tenha conhecimento não só de direito interno, mas também do direito internacional.
Advogada e professora universitária.
Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR.
Autora do livro: Direitos coletivos dos Servidores Públicos e diversos artigos em suas áreas de atuação.
Mãe da Clara, esposa do Marcello e apaixonada por filmes e séries.